Saturday, September 29, 2012

É uma inquietação turbulenta aqui dentro. Uma paz que é inquieta e procura incessantemente um estímulo pacificador da mesma paz que borbulha e não pára um segundo. Vejo-a nessa enorme Lua, ascendendo por trás do monte diante dos meus olhos, como se estivesse já aqui, à distância de um braço e a pudesse tocar. Se tocasse, penso que seria fria. Mas não desinteressantemente fria; alegremente fria e muda. Uma orquestra suave irrompendo do seu núcleo, parando apenas pouco antes da sua crosta, coberta de pó prateado. Esse luar que ilumina os meus olhos, propagando a sua música como ondas de rádio agitando a máquina interior e pacificando a paz por intermédio do quase-eriçar dos pêlos, pouquíssimo antes da camada córnea da pele, coberta de absolutamente nada.
Onde está o mar que murmura aos meus ouvidos? As ondas cantando, afagando-me no adormecer - não existe, eu sei. Oiço os seus murmúrios, sinto as suas carícias tão vividamente como sentiria o frio do pó prateado da grande Lua, só que não existe. Tal como o sentido último da vida - não a minha, a de todos e tudo - não existe. Só um pensamento. Que não serve para nada, nem tem nenhum propósito. Ainda assim tenho-o e creio nele. Como no mar que não vejo e na Lua que alcanço e nesta paz que não pára quieta.

Tuesday, February 21, 2012

O Mundo em Mim

Tenho uma música dentro da minha cabeça. Daqui vejo os picos das montanhas com neve tão branca, uma calmaria. Acima estão as nuvens, tão brancas e cerradas, não deixam ver o céu. É tudo tão branco e não sente nada. Completo alheamento da realidade e das sensações, total imunidade a qualquer estímulo, e que alívio deve ser... Às vezes, quem me dera não sentir nada... Ser um globo de neblina de olhar vazio, sem interacção. Sem acção. Ser eu própria silêncio.
Tenho em mim o mundo todo. Não me cabe na palma da mão, claro, é demasiado pequena. Tenho mãos pequenas. Tenho-o em mim, ocupa-me as cavidades todas do corpo e transpiro-o por todos os poros. O mundo. É música na minha cabeça, como se se produzisse dentro de mim e ressoasse. Não sei bem a que soa, é uma trapalhada de música: ora borbulhando-me nos fluídos ora embatendo nas rochas em cascata. Ora escura e uivando. Ora piante, com cheiro a lavanda e mar. Ora demasiado rápida! Ora demasiado lenta... Ora o mundo exactamente no tempo certo.
Tenho um brilho nos olhos. Do mundo todo que está em mim, de onde se canta uma música sempre diferente mas, por vezes, tão insuportavelmente igual! É um brilho de alma, que só tem mesmo aquelas duas janelinhas pequeninas. Verde, amarelo, cinzento, negro pesado, azul, vermelho ardente, lilás, intenso e extenso, apagado e envergonhado, laranja, branco... Branco que nem nuvens, Que nem neve. Branco do outro mundo. Em que há silêncio. Em que há alheamento. Em que hás tu. E tudo o que ficou por dizer e mostrar. Mas aí... já não importa.

Monday, December 12, 2011

Diz-se por aí que o som se propaga melhor na água do que no ar, por uma qualquer propriedade física que o caracteriza. Mas o silêncio, aqui no fundo, é absoluto. Aliás, tanto não há som como também não se sente qualquer brisa, se é que se podem conceber brisas em qualquer outro meio que não o ar. Não há cores, como alguém cantava que devia pintar com as cores do vento... Ora, não há vento, nem há cores. É incolor e estagnado, este líquido em que estou submersa. Um líquido compacto, denso, insinuoso, que não me deixa respirar. Não que respirar seja algo absolutamente vital, já que esta não sou eu, mas apenas uma projecção de mim, cujos pulmões são, como tudo o resto, meras figuras inanimadas que têm de estar subentendidamente presentes para a projecção ser minimamente credível, para mim, que a vejo de fora, qual espectadora, já que mais ninguém a consegue ver.
É um triste espectáculo, na verdade. Uma figura imersa em água, de olhos fechados, sentada de "pernas à chinês", que não respira. No meio do nada. E está escuro, como se subentende (novamente) sempre que se fala em ausência de tudo ou presença de nada, assume-se que há também ausência de luz e, olha, que seja! É um triste espectáculo, dizia. Não que haja alguma expressão de sofrimento ou desconforto... Apenas uma apatia calma e confortável.
Uma pessoa habitua-se a sentir-se confortável na sua redoma, a não deixar ninguém entrar (porque claramente ia perturbar a santa paz que aí reina) mas um dia algo acontece e quando olho, a minha projecção já não está lá. E, subitamente, é como se o respirar fosse mais leve...
Ensinaste-me a amar a realidade. Aquele mundo que era tão preciosamente meu deixou de ter importância, porque onde tu estás é onde eu quero estar.
Existem, no entanto, momentos como este, em que a água parece que chama, traiçoeira e insidiosa. E eu não quero voltar para lá. Eu não quero voltar para lá...

Wednesday, February 23, 2011

Tenho medo do escuro

Esgotam-se-me as palavras. Isto que operaste em mim foi como um amanhecer inesperado depois de uma noite sacudida pela pior das tempestades. A luz que surge das entranhas da Terra e enche cada canto. Às vezes ainda me doem os olhos, que não estão completamente habituados a toda esta claridade.
Enche cada canto, sim. Assim, perfeita e quente. Tenho medo que desapareça. Tenho medo do escuro. Ainda que ele faça parte de mim; tenho medo do escuro.

Amo-te.
Não vás.
Fica.
Tenho medo do escuro.
Abraça-me e diz que vai ficar tudo bem.

Por ti mandei todos os muros abaixo, deixei que entrasses e governasses o meu reino e o tornasses bonito e fértil. O meu respirar é o teu respirar e o meu sorriso é o reflexo dos teus olhos quando olham os meus. O meu coração bate com o teu; bate forte e contínuo, agora que te encontrei.
Não vás.
Porque eu tenho medo do escuro. E o escuro sou eu.

Thursday, December 30, 2010

Suspiro salgado

Preciso que me enchas a alma de ti...

Do espelho olham-na dois olhos, brilhantes, fixos nos seus. São cor-de-avelã, com o mesmo contorno dos seus próprios olhos, poderia dizer com toda a certeza que eram os seus olhos que via reflectidos no espelho, não fosse a expressão ser totalmente estranha a si. Era como se falassem consigo, numa súplica viva, gritando no silêncio: Enche-me a alma de ti...
Uma dor assaltou-lhe o peito e apercebeu-se que já não estava em sua casa. O sol iluminava-a toda, construindo sombras no rosto e no corpo, pelo seu ângulo poente; reflectia-se-lhe nos cabelos cor de outouno, conferindo-lhe tons dourados, trémulos ao sabor da brisa...
Diante de si, uma ravina e o mar ondulado, lançando os seus braços ao penhasco, como em busca de um abraço imerecido, implorando. Era como se chorasse, o mar, em ténues sussurros, suspirando um nome que Estrela não conseguia entender.
E o seu choro era uma melodia triste, infinitamente bela, como nunca ouvira... Uma melodia grave, por vezes mais alta, salpicava-lhe as vestes brancas, já gastas do calor e do sal.
Lembrou-se daquele dia em que se deixou levar pelas ondas, por estar tão perto e querê-lo tanto... Agora encontrava-se longe demais para se deixar levar, teria de se atirar ravina abaixo. Desejava apenas que o mar fosse ao seu encontro, a envolvesse e aprisionasse... Que a libertasse daquela dor que crescia no seu peito.
Deixou-se sentar à beira do precipício, ouvindo o lamento marinho... E com as águas o seu coração chorou uma dor que não era a sua, mágoa que atribuía apenas ao mar à sua frente, e com quem esperava ver as suas lágrimas unidas, numa só voz entoando o que ouvira de mais belo na vida.

Thursday, September 30, 2010

Carta - Pele com pele

Naquele dia fomos um só. Fizeste-me deixar-te entrar nas minhas muralhas. Nunca pensei que nos unissemos com tanta simplicidade, com a naturalidade de quem pertence ao outro... Do corpo e da alma tirei os véus, revelei-me, fui eu... Naquele dia fui tua. Naquele dia entreguei-me e desejei não mais ser de mim mesma.
De cada vez que os meus olhos encontraram os teus desejei-te mais. De cada vez que os teus lábios tocaram os meus ganhaste um pedacinho de mim... Até me teres por completo.
Senti-te nos meus braços, apertando-me contra o teu corpo como se de mim dependesse o teu respirar, amando-me em cada beijo, entregando-te em cada carícia... E quis ser tudo para ti, ser o brilho nos teus olhos, ser vida a encher-te os pulmões...
Naquele dia, aquele momento... Foi o mais pleno... O mais pleno, amor... E essa entrega é irreversível. Tens-me, eu já não sou de mim mesma. Dei-te os pedacinhos de mim, não tenho como os reaver... O que lhes fizeste? O que é que aconteceu? Sinto-os dispersos, sem rumo, largados na berma da estrada sem ninguém que os reclame... Sou tua, porque é que me deixaste? Não sei se consigo juntar os pedaços todos, alguns partiram-se pelo caminho e já não têm remédio... Outros não encontro em lado nenhum, ainda devem estar contigo e tu já não notas a sua presença.
Reuni os que pude nas mãos, olha para isto, olha! O que é que eu faço com isto? Não sei o que há em ti (ou em mim) que não me deixa esquecer-te. O que existe entre nós que mantém a chama acesa. O que é isso nos teus olhos que ilude os meus. Só queria dar-te a mão quando roço acidentalmente nela, tocar-te na face quando sorris para mim... Acordar o "nós" que foi forçado ao exílio... E eu não compreendo, não compreendo porquê!

Eu sei que acabou e que não há volta a dar. Eu sei que tenho que cumprir com a minha palavra. Só não sei se consigo deixar de sentir o coração aos pulos quando nos tocamos sem querer. Não sei se consigo esquecer o teu cheiro, o teu calor... Por isso te escrevo mais uma carta que não vou enviar. Uma carta de mim para o pedacinho de ti que ainda guardo comigo.

Friday, July 09, 2010

Carta - Porque te lembro

Talvez eu não queira que vás. Estive a pensar e talvez não queira mesmo que vás. Porque se fores... acho que se vai uma parte de mim. Uma parte bonita de mim. Aquela parte que por breves momentos acreditou que era possível sentir tudo isso e sentir a paz apenas por sentir mesmo tudo isso. Aquela pequena e inocente parte de mim. Porque se tu fores... se eu te deixar ir, não acho que consiga lá voltar... Lá onde éramos nós e as estrelas e a lua... porque tu não vais lá estar. E eu vou procurar-te no escuro, por entre a humidade da noite e não te vou encontrar...
Em realidade sei, porém, que fizeste a tua escolha e, sem avisar, te foste e deixaste-me aqui. Não sei se por força das circunstâncias ou porque, muito simplesmente, não querias mais sentar-te ao meu lado ao luar, o que quer que isso significasse; se te esqueceste de mim...
Ainda assim sinto a tua falta e hoje quis voltar àquele lugar para te encontrar... e tu não estavas lá, claro. Onde estás? Onde foste?
Sentada no escuro e lembro-me da tua voz, do teu sorriso e do teu olhar, eram suficientes para me sentir segura; agora nem me lembro da última vez que os senti... E por isso te escrevo, mesmo que nunca te chegue a enviar isto, mesmo que nunca leias isto, mesmo que nunca te encontre naquele lugar. Escrevo porque te lembro com saudade...
E não quero que me censurem porque te escrevo nem porque te lembro, porque isso de nada serve, na verdade. Então não te envio. E talvez um dia tropeces nisto e leias e te lembres de mim.
E continuo sentada com a lua e as estrelas... O silêncio é terrível quando não estás aqui.